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Documentários True Crime: Quais os limites jurídicos para a reprodução dos fatos retratados?


Já notaram que documentários vêm ganhando força e espaço na mídia no decorrer dos últimos anos? Se sim, esse lugar analítico e estratégico como produtora audiovisual deve considerar o fortalecimento da era do streaming e a popularização do gênero true crime.


Com o propósito de trazer a percepção do mundo real para as narrativas audiovisuais, o gênero faz uso de fatos reais para traçar um caminho e dar novos olhares a acontecimentos e informações que até então, naquela história, contavam com uma única interpretação. É deitado sobre a dúvida que a construção narrativa se dá, justamente, sob novas perspectivas dos fatos e eventos reais. Esse é o desafio do gênero true crime.


Mas afinal, quais são os cuidados a serem tomados na etapa de desenvolvimento e produção de um documentário no gênero? É correto dizer que todo e qualquer fato real pode ser retratado por uma obra documental? O fato de aqui trabalharmos com materiais, dados e fatos biográficos e histórias reais torna o processo de produção mais desafiador?

O ponto chave sob a ótica jurídica é justamente o limite a ser observado por qualquer documentarista na condução do seu projeto. A dúvida recorrente: “até onde podemos chegar?” “O que podemos explorar de dados reais na construção da narrativa?”.


Pois bem. O documentário tem estreito diálogo com o jornalismo. Não à toa, para que a obra documental possa ser desenhada e estruturada, é necessário um amplo trabalho investigativo; a valiosa etapa de pesquisa no desenvolvimento e que terá como objetivo trazer substância e fatos apurados à narrativa desejada. Aqui, as informações e o resultado da pesquisa funcionam como o alicerce da criação – e só então temos o trabalho artesanal sob a narrativa pelo documentarista.


Diferentemente do gênero de outros documentários, a etapa de desenvolvimento exige maiores exercícios entre a equipe jurídica e o núcleo de desenvolvimento do roteiro, aqui já sob a perspectiva do material a que se pretende ficcionar (todo ou parte) e/ou explorar fatos na obra audiovisual. É sob esse momento de concepção que os exercícios críticos e análise do risco jurídico acontecem, não apenas diante da análise do momento processual do crime em questão, mas, em especial, a se considerar status do processo judicial, sigilo processual e acesso lícito às informações, bem como a carga ficcional com o exercício da dubiedade que se espera da construção narrativa.


E esse é justamente o primeiro ponto que queremos destacar: a relevância da informação e seu valor social são os parâmetros a serem utilizados para mensurar os riscos jurídicos e seus limites na obra documental.


Não é preciso um olhar apurado para atestar o que estamos falando; basta navegar nos mares da sua plataforma de streaming favorita! Grande parte dos documentários se baseia em fatos notórios, notícias de grande relevância ou personalidades que marcaram época. Nesse cenário, temos a função primordial do interesse público como o fundamento capaz de garantir o acesso à informação para a sociedade – algo que instiga às produções documentais e, ao mesmo tempo, protege a viabilidade jurídica da produção.


Em outras palavras, o acesso à informação é o que permite a relativização de alguns direitos da personalidade, dentro de cada caso concreto. É diante deste alicerce que se constrói a possibilidade para inserção de elementos cruciais ao desenvolvimento da obra true crime, tais como a utilização de imagens, nomes, dados biográficos e informações de terceiros envolvidos no acontecimento.


Esse é, inclusive, o entendimento dos tribunais brasileiros. Aqui, a jurisprudência disponível, até mesmo dos tribunais superiores, nos dá fortes indicativos de como seguir em relação à produção de um documentário true crime, bem como os limites a serem respeitados nessa ponderação de direitos.


Sob a ótica jurídica, é preciso ter em mente que essa análise não apresenta um método totalmente objetivo. O que temos, na verdade, é uma espécie de “régua” a ser usada para mensurar a viabilidade e risco de cada produção, de acordo com o que alguns casos práticos, que inclusive já passaram por alguma etapa de judicialização ou chegaram à análise do Supremo Tribunal Federal, nos mostram.


Assim, é preciso ter atenção a pontos em comum trazidos em alguns desses casos. Para isso, as perguntas certas são essenciais: É evidente a relevância social do fato ou personalidade objeto da obra? Há respeito à ética jornalística que protege a veracidade dos fatos e suas fontes originais? Foi mantida a integridade da honra dos terceiros retratados, mesmo quando levamos em conta a moderação do toque cinematográfico?


Se as respostas forem afirmativas, temos um ótimo começo de percurso!


Como vimos, as peculiaridades da obra documental true crime nos apresenta uma nova gama de aspectos em que é necessária atenção. É importantíssimo que tomemos como ponto partida não só a perspectiva de risco jurídico da realização de obra desta natureza, mas também os fundamentos éticos necessários para a condução de um projeto cujo gênero tem relação tão íntima com a realidade e, por isso, deve sempre resguardar com cautela os caminhos escolhidos para seu retrato.


(Imagem de capa: Unsplash)

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